Além das beiradas
E é essa solidão que é maior que tudo porque é a única possibilidade o que me faz perceber estar viva. Já falei do abismo? Que somos ilhas. Tudo isso não é novo, nada é. É preciso tomar cuidado para não esquecer da solidão só porque alguém nos ouve, lá de longe. Ainda que responda. E aquela resposta é tão clara como se fosse um pensamento meu. Ainda assim há a solidão, que não é boa nem má, porque não há como julgar o valor de alguma coisa quando tudo o que conhecemos é isto. E então essa voz cristalina que surge do vale entorpece e faz esquecer nossa condição. É quando agimos de maneira perigosa, nos iludimos. "Há alguém, há sim". Ao redor pode haver milhares. Alguns, com sorte, chegam mais perto, até a beirada. Assim como nós, que também escolhemos beiradas para nos encostar. Mas e a ilusão de que se atravessa este vácuo, esta ilusão deliciosa? Se ao menos ela pudesse existir sem a posterior angústia por se estar vivo e sem poder gritar, ou o grito existe ainda que não o ouçam? Eu aqui querendo que a solução esteja lá, mas nunca está, não é? Por isso estou sozinha, porque carrego em mim as minhas próprias soluções e ainda que queiram, e querem, fazer isso por mim, não podem, jamais poderiam. Consolo é tudo o que se pode ter. E companhia é distração e das melhores. E toda essa troca de pensamentos que se dá quando a gente conversa é uma comunicação muito superior a das palavras. Todos esses sentimentos que a gente troca é. Quase como arte, que é comunicação melhor, é arte não realizada, é arte pensada e sentida e em seguida perdida, ninguém colocou no papel. Talvez no papel da memória e só. Daí é arte para apenas uma pessoa. Mais ninguém. Porque memória não se divide nunca. E contar as coisas é quase como ficar bem míope para olhar para uma foto e tentar entendê-la. Daí a solidão do ser humano. Tudo em nós é contado. Tudo é muito dito. Eu vivo um sem sentido de momentos sequenciais e dentro de mim não respondo a tudo. Mas tudo sobra um pouco. Por ser assim desisti de fazer sentido. Sempre procurei encaixar tudo isso num enredo para apresentar aos outros mas isso era coisa contada mais escolhida do que acontecida. Porque as coisas acontecidas são assim caóticas. E quando eu amo é porque quero entrar nesse mundo desconhecido e caótico de alguém e eu gosto de acreditar que posso. Eu prefiro acreditar que sim, sempre. A infância é a fase mais inteligente da vida porque aceitamos ser assim. Depois esquecemos tudo isso e passamos o resto da vida tentando lembrar. Eu me lembro. E eu nunca vou conseguir dividir isso com ninguém mas tem gente que me diz coisas que parecem ser tão minhas, e isso assusta. É que tem coisas além das beiradas que nem conhecemos.
1 Comments:
Ai, quanta coerência e concordância... Até escrevi um post.
May 29, 2007 9:13 AM
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