"Truth is rarely pure, and never simple" - Oscar Wilde / "Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada" - Clarice Lispector

Thursday, June 22, 2006

Mimo

Momento jornalístico: uma professora da melhor escola de pedagogia do país vira para os seus alunos de primeiro ano e declara: “Não acreditem que vocês poderão interferir no ensino público, isso não é possível”. Vocês prestaram bem atenção? Escola de pedagogia. Se não eles, quem então poderá interferir em algum assunto relacionado à educação?

- O governo.

Ai, brasileiro adora essa resposta, sempre “o governo, o governo”. Tá, e quem mais? E de repente me ocorre uma pergunta: para que servem os pedagogos? As pessoas não pensam mais em alguma função social ou coisa que o valha com relação às profissões que escolhem viver?

- Não. Dá pra mudar de assunto?

Daqui a pouco. Não, eu não sou uma adolescente, muito menos idealista, e não acredito que eu possa mudar o mundo no sentido de salvá-lo de todo o mal que o corrói desde que a Eva comeu aquela bendita maçã, eu até acho que o mundo ficou bem melhor depois da maça, da cobra e tudo o mais. Mas vem cá, só porque a gente (individualmente) não pode fazer tudo, isso quer dizer que não podemos fazer nada? Uau, que lógica! Sabe como chama isso? Mimo. “Ah, se você não fizer brigadeiro pra mim AGORA eu não vou querer mais”. Ainda não reparou? Mais um exemplo então. “Minha namorada não me ama, eu tenho certeza, já reparou como ela chega tarde às terças e quintas, fica lá no bar com os amigos tomando conhaque, eu não me conformo, como ela pode não dedicar todo o seu tempo livre a mim?”. Está ficando divertido inventar estes exemplos, mas voltemos, voltemos.

Gastamos tanto tempo falando das qualidades do Brasil, que tal refletir um pouco sobre as questões culturais que empacam o progresso. Eu gostaria de assistir programas e mais programas de televisão, revistas, rádios, todas as mídias que puder imaginar, só sobre o mimo brasileiro. Eu não assistiria a todos, confesso, certamente seriam bastante repetitivos e aborrecidos, mas eu gostaria que as outras pessoas assistissem enquanto eu lesse um Nelson Rodrigues e sorrisse com suas personagens mázinhas, é, só um pouquinho más, assim, quase sem perceber.

Tuesday, June 13, 2006

Entrelinhas

Alguém ai já viu uma velhinha no ônibus dizer para um rapaz realmente bonito:

- Mas você é bonito, meu filho, é sim.

Não, apenas rapazes não bonitos recebem tal elogio. Se chama anti-elogio e acompanha uma preposição adversativa, o que quer dizer que o pensamento que precede o elogio é contrário a ele. Preste atenção, se eu me sinto na obrigação de dizer a alguém que tal pessoa tem determinada qualidade, é porque não considero a pessoa capaz de percebê-la, logo não acho que tal qualidade seja assim, ãh, um destaque. Tradução: Tenho dó do indivíduo e como sou muito boazinha, quero fazer uma boa ação e deixar o desgraçado se sentindo melhor.

Confessa, você também se sente bem ao fazer esse tipo de coisa.

Pois eu vou fazer uma revelação. As pessoas não gostam disso. O que? Duvida? Acha que sempre funcionou com você? Não.

Após anos e anos de contato com os diálogos pitorescos produzidos, assim, de improviso pelos seres humanos com quem tenho encontrado, não resta a menor dúvida com respeito ao fracasso deste método de “como me fazer parecer melhor diante dos outros”. Acredite.

A coisa é que ser bonzinho não cola. Chego a sentir arrepios só de imaginar os pensamentos sombrios que rondam a mente dos bonzinhos, é macabro. Veja só, em primeiro lugar a pessoa está te dando uma opinião, sobre você mesmo no caso, sem que você tenha sequer solicitado. Pior, sem que tenha, necessariamente, interesse algum no que se passa neste determinado cérebro.

- Não seja tão dura Elaine, eu sei que no fundo você é uma boa pessoa.

Não sou. Pessoas boas me dão medo. Eu sou gente, e basta. Gosto de uns e não gosto de outros. Quer justificativa? Não dou. Se um amigo meu diz uma bobagem eu dou risada (ou um tapa na testa, é divertido), se não é amigo (nem imaginário) eu desprezo. Alguém ai perdeu a lição da professora Alminha, na sétima série, na qual ela explicava que o mundo não é justo? Não é.

Bom, eu disse lá em cima “em primeiro lugar” porque o pior ainda está por vir, sim, anime-se. O bonzinho é na verdade um canalha. Mentira, senti vontade de incluir canalha na redação. Eu ia me referir à sua arrogância. Porque raios estas pessoas imaginam que ao proferir meia dúzia de palavras fariam qualquer um se sentir melhor? Misterioso, misterioso. Fico realmente perplexa com tal ingenuidade, mas logo passa. Antes que alguém ai passe mal (tais sujeitos são bem sensíveis) eu vou incluir apenas mais um aviso, talvez o fato de você concordar ou discordar não faça diferença alguma. Então tente guardar a sua opinião para você. Se eventualmente ela sair pelas orelhas, nós vamos entender, afinal você está tentando, não está? Bom menino.