"Truth is rarely pure, and never simple" - Oscar Wilde / "Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada" - Clarice Lispector

Tuesday, August 28, 2007

Sapatos Vermelhos

É engraçado como uma referência que pode parecer boba acumula tanto significado. Eu estou falando de sapatos vermelhos. Qual não foi a minha surpresa quando encontrei um texto sobre sapatos vermelhos ao ler o blog da Huma (onde inclusive vocês podem encontrar um texto meu, traduzido para o inglês pela Pati, mui chique). Não surpreende que o blog todo seja sobre girl power. Eu já havia tomado conhecimento do símbolo ao ler “Mulheres que correm com lobos”, excelente literatura que, através dos contos de fadas e suas origens, tenta elucidar o universo feminino. Lá também aparecem os tais sapatos vermelhos que ficaram marcados na minha mente desde então. Nada mais óbvio para representar o espírito livre que nos foi suprimido no decorrer da história. E não há progresso que tenha sido suficiente. Enquanto fecharmos as pernas para sentar, enquanto nos sentirmos obrigadas a estar limpas de pêlos e odores, organizadas de cabelo e palavras, enquanto isso não estaremos livres, nunca. Pensar em sapatos vermelhos me instiga esta ousadia, me faz sentir falta da terra, mais especificamente de me lambuzar com ela. Eu já mencionei a nossa infeliz distância a tudo o que é absolutamente humano e mau, e agora me refiro à distância da mulher ao instintivo, ao gutural, ao primitivo. Não vamos nos livrar dos rótulos e conciliar nossos sentimentos se não retornarmos para lá. Mais do que isso, se não percebermos que lá está tão aqui dentro, mais do nunca.

Wednesday, August 22, 2007

Teoria das interferências

Eu já falei sobre a minha teoria das interferências aqui? É comum a idéia de que as pessoas tomam decisões levando em consideração, entre outras coisas, as conseqüências de suas ações. Muitas vezes este mecanismo do raciocínio, que pode ser bem complexo e estruturado com atribuição de probabilidades e consideração de alternativas em formato de gráfico árvore, não passa da primeira etapa. Sim, conseqüências geram outras conseqüências e esta corrente não termina nunca. A gente tem a impressão, em geral, de que é possível prever o impacto das nossas ações em outrem. Pensamos inclusive ser trivial o julgamento de tais resultados. Não é. Nunca. Uma coisa boa pode ser má no momento seguinte e vice-versa. Aquele fulano que dizemos ser sábio por afirmar que nada sabia não estava apenas criando uma frase de efeito, é coisa mui inteligente a atribuição de dubiedade às coisas. Uma crise, por exemplo, é coisa fantástica. Quer oportunidade maior de efetivamente transformar a própria vida do que quando tudo vai mal? Abrir mão de coisas boas e que cismam em ficar ali, do nosso lado, é coisa muito pior. Uma falta de amor, uma rejeição, desprezo coletivo, e pronto, estamos livres. Só se pode ser realmente livre sozinho. Não surpreende que os adolescentes mais desajustados se dêem melhor na vida adulta, tiveram chance de construir uma estrutura interior mais rica. Aos mais populares restam os destinos mais patéticos, assim é.

Mas divago, vamos à teoria. Uma vez que não é possível determinar com nenhum grau de certeza a interferência que nossos atos terão na vida alheia e no continuar das coisas, muito menos julgar se tal impacto vem a ser bom ou ruim, e espero ter feito este ponto claro até agora, decidir o que fazer com base nisto é tão eficiente quanto jogar moedas para cima ao optar por cara ou coroa. De fato, a eliminação de qualquer mecanismo de avaliação de interferências na nossa tomada de decisão é ideal. E por favor, não venham argumentar dizendo que então não devemos usar cintos de segurança nem trancar a porta de casa. Eu não vou nem perder o meu tempo explicando que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa com extrapolação tão estúpida. O que eu estou dizendo é que, ao fazer aquilo que acreditamos que devemos fazer, não por causa de ninguém nem de nada, mas por nós mesmos, porque aquela atitude reflete quem somos, o que pensamos, como nos sentimos, porque é genuíno e por isso honesto, estamos fazendo o melhor que pode ser feito. Sendo assim, temos o melhor resultado possível, primeiro para nós mesmos, e logo para todos os demais. Só podemos fazer bem a quem quer que seja se fizermos a nós mesmos. Ponto. Qualquer outro tipo de bondade é totalmente dispensável, obrigada.

Humanidade

Eu sempre achei que aos tais dos sete pecados capitais não era atribuída a importância devida. Desde que resolveram elencar algumas características inerentes ao seres humanos e condená-las começou a nossa desgraça, vejam só quanto tempo faz. Nem todos sabem que não há uma lista pronta de pecados capitais, Deus não fez ditado em bullet points, eles não estão sequer na Bíblia, são interpretações dos dez mandamentos. Pois bem, quem os interpretou incutiu lá seus próprios valores e quiçá os de toda uma época. E foi então que aqueles preocupados com seu lugar no céu passaram a dissimular o que são, para não dizer pior, passando assim a abrir mão do que se tem de melhor, a nossa própria humanidade. É uma pena ver uma pessoa com potencial para ser extremamente interessante, cheia de vida, cheia de si, tentando esconder uma nesga de raiva, ou inveja, levando para baixo do tapete junto com este seus próprios tesouros, sua audácia, sua altivez. Sejam humanos, bem humanos, quanto mais humanos puderem ser, sejam, e teremos enfim o que há de bom em cima da mesa.

Posto isto, gostaria de me deter um pouco ainda sobre a preguiça, uma de minhas obsessões. Ontem chegou ao meu conhecimento que Tomás de Aquino tem uma interpretação diferente com relação a este pecado capital. Segundo ele, a preguiça não é um pecado capital e esta é uma interpretação capitalista da coisa. Não surpreende que seja. No lugar da preguiça o que era condenado era a tristeza. Tomás de Aquino diz isso ao mesmo tempo em que coloca a reflexão de que faz parte do ser humano, na vida adulta, conviver com a tristeza de ser quem se é, pequeno diante de tudo o mais, e diante de todos os porquês sem resposta. E o quanto é superficial aquele que não conhece tal tristeza. Como fugir daquilo que é ao menos um sinal de alguma grandeza? Este é o perigo de quem vive na busca de eliminar qualidades condenáveis, perder tudo enfim.

Thursday, August 02, 2007

O mérito da sorte

Papel e caneta em mãos e idéia na cabeça quando ouço uma daquelas frases-arte: "O mais importante não é o amor, mas a gentileza." Todo o resto ficou tão distante, pena não poder me deter sobre a frase por estar em fase de êxtase, talvez mais tarde.

Divago. Vim aqui para dizer coisas sobre a sorte, mas comecemos pelo mérito. Eu considero o mérito uma coisa muito engraçada. Vejam só, se o fulano ganha rios de dinheiro porque calhou de nascer em berço esplêndido ele não tem mérito e representa inclusive as mais cruéis das injustiças da vida. Já cicrano, se faz fortuna por ser um gênio da informática, estamos satisfeitos como se este fosse diferente do outro. Não é. Nunca. Pois se o sujeito nasce gênio, ou bom da perna, isso é sorte tão grande quanto nascer rico, ou maior, pois dinheiro é coisa que se perde com facilidade.

E por favor, não me venha falar de esforço. O esforço que o gênio da música faz para compor é o mesmo que eu emprego em álgebra trivial, seria esforço ainda maior para ele não fazê-lo.

Então como explicar a injustiça do mundo? Eu respondo: sorte. A sorte é coisa das mais preciosas, todo o resto é bobagem. Há os que têm sorte e os que não têm e isso é tudo. Aí está toda a injustiça que se pode encontrar, e assim foram construídas todas as religiões, no intuito de explicar esta sorte, até mesmo de criar regras para ver se ela resolve segui-las. Mas ela não segue.