Grandes acontecimentos

Eu tenho uma capacidade incrível de me deixar ir embora na minha própria imaginação, mas não apenas quando estou dormindo ou de olhos fechados, mas assim, vivendo, nos meio das coisas e das pessoas. Eu vejo um gesto, uma beleza ou outra, um jeito de falar o nome, de ser tímido, e já construo castelos e histórias e personalidades e literalmente me apaixono. É como estar high on drugs naturalmente. Eu sou tão afetada por tudo o que se dá dentro da minha cabeça que já não posso mais diferenciar o de fora do meu construído, e é assim que eu vivo sempre, minha realidade é toda formada dessas partes de imaginação que se misturam ao que me é apresentado e à maneira como posso olhar para aquilo naquele momento. E é tudo dinâmico também, e muda, inclusive a memória, principalmente a memória. Se estou triste algumas lembranças ficam amargas, coisa que se dissipa em dias expansivos. E desta forma minha vida é uma aventura, cheia de grandes acontecimentos, imensos. Uma noite pode se transformar em um romance de Gabriel García Márquez em todas as suas 348 páginas, e se transforma, se transforma. E é assim que eu gosto de viver.

Memórias do Subsolo

Dostoiévski no Memórias do Subsolo refuta a idéia de que somos seres racionais que optamos sempre pelo que nos é mais vantajoso. Ele diz que nós pelo contrário somos seres caprichosos e preferimos ter uma vontade independente ainda que estúpida. E daí ele segue questionando uma série de coisas inclusive o que é o vantajoso. Toda abordagem que recorre ao homem racional faz uma ressalva sobre a limitação da nossa racionalidade e para mim esta é uma simplificação maior do que se imagina. Que nós não somos capazes de absorver todas as informações e muito menos processá-las afim de fazer uma avaliação ótima das coisas, isto é claro. Mas eu vou mais longe, a porção das coisas que nós conseguimos explicar é infinitamente menor da que conseguimos perceber. Talvez a isso se dê o nome de intuição, mas fato é que muitas vezes conseguimos sentir que devemos ir por um caminho sem saber ao certo a razão. Outras tantas vezes o que é obviamente desvantajoso nos parece irresistível. Reduzir tudo à matemática seria tão irracional quanto se limitar à própria racionalidade.

Invasão de Privacidade

As relações estabelecidas entre as pessoas, sejam elas de quaisquer natureza, desde que consensuais, são relações que compreendem espaços comuns e compartilhados, e espaços privados. A cada um é garantida a liberdade para decidir, por livre e espontânea vontade, quais são os espaços que devem ser preservados. Esta é a noção básica que possibilita a construção de qualquer intimidade ou amor. Existem limites que precisam ser respeitados. A invasão de privacidade é a maior agressão que pode ser sofrida por alguém que confia ou confiou, um dia, algum espaço de sua vida a outra pessoa. Pois com estranhos a nossa guarda está erguida, sempre. É como se a nossa escolha, a nossa decisão por não compartilhar determinado pensamento nos fosse tirada, e contra a nossa vontade, violentamente, isso nos fosse tomado, roubado de maneira vil.

Existem várias maneiras de se invadir o espaço privado de alguém, inclusive fisicamente, mas uma das mais perversas é a invasão da correspondência alheia, que vem a ser inclusive um crime previsto em lei. Indevidamente alguém obtém acesso a conversas particulares e atribui a elas qualquer tom, contexto, significado, transitoriedade que desejar. Mas o crime pode ser pior, existe além da invasão a divulgação de tais informações a terceiros. É hediondo. Absolutamente nenhuma pessoa tem o direito de saber o conteúdo de uma conversa entre duas pessoas sem o seu devido consentimento. Muito menos de questionar o que quer que seja sobre isso. É o cúmulo do falso moralismo se julgar impune em tal prova. Se alguém se colocar nesta posição então que abra seu próprio espaço privado e divulgue publicamente sua própria correspondência e então, só então, comece a questionar. O grande horror que sentimos com relação a uma ditadura vem desse aviltamento que é a invasão dos nossos pensamentos contra a nossa vontade. Este tipo de comportamente degrada a liberdade básica e individual de cada um e impossibilita qualquer relacionamento. Não há nada pior do que ser privado da própria liberdade. Nada.