"Truth is rarely pure, and never simple" - Oscar Wilde / "Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada" - Clarice Lispector

Thursday, March 27, 2008

Sobre a consideração

Estava eu lendo o blog recém descoberto de uma conhecida que há muito não vejo e me deliciando com as nuanças nunca dantes percebidas de sua personalidade deveras dramática e sofredoura, justo ela que sempre me pareceu tão cool, descolada dos demais, quando me deparo com um texto sobre a consideração que no caso deixam de ter por ela. Está amarga e sofre. Mais do que isso, indigna-se contra a humanidade. Toda uma infelicidade construída sobre conceitos mal interpretados, um engano apenas e joga-se uma vida pela janela. Por que engano? Não há essa tal consideração. Digo, neste sentido comumente utilizado em nosso tempo, de gratidão demonstrada, uma quase renúncia. Veja, todos nós consideramos toda a sorte de coisas quando tomamos decisões, mesmo as mais triviais. E não se engane, quem toma a decisão é sempre quem acaba ganhando. Ir contra a vontade é agredir a si próprio tanto quanto aos demais. E é claro que eu não me refiro àquilo que invada os direitos alheios, não se perca. E então me perguntam: “Não se faz coisas pelos outros?”. E eu digo sim, todo o tempo, mas apenas quando eu me incluo no time que se beneficiará da ação, direta ou indiretamente, ainda que este benefício seja uma autopunição. Isso nos traz ao ápice da argumentação: O comportamento dos outros não define o que eles sentem ou pensam sobre você.

Só para começar a ação de outrem diz respeito a esta pessoa e todo o universo único complexo e indecifrável do seu ser, onde se misturam motivações provenientes de medos, sonhos, sensações, lembranças. Mas não é só isso, o que está em julgamento aqui não é a ação em si, é a nossa interpretação da ação, baseada desta vez no nosso universo único complexo e indecifrável. Quer simplificar? Se você acha que tem uma luz verde saindo pela orelha então todo olhar que cair em você vai ser usado para corroborar a sua tese da luz verde e quanto mais você acreditar na luz, maiores serão as evidências, é capaz até de sair matéria no jornal. Aquela minha conhecida já tinha uma hipótese que acreditava verdadeira, a de que todos os seus amigos não a levam em consideração, não se importam com ela, ou ainda, não gostam dela. A partir daí qualquer gesto, palavra, tudo será usado em seu favor, obrigada. Até um simples cochilo pode ser interpretado como a rejeição máxima, o desinteresse cruel. E, ainda assim, se tem sono, não é? Acredita-se naquilo que se quer. Projetamos nossos preconceitos e julgamentos no outro. Estamos sempre colecionando evidências em favor das teorias que criamos a priori, e somos bem sucedidos, sempre. Quando mais desajustada eu me sinto mais desajustada me consideram. E, no entanto, o universo do outro tem tão pouco de nós e está tão distante das nossas questões. Assim como nos colocamos no centro de tudo, ainda que pareça o contrário, assim são os outros. Se não nos dão atenção é porque outra coisa prendeu a atenção desejada, se dizem uma palavra e não outra que preferimos é por gosto ou desatenção. Impossível saber. Deixe viver, deixe ser como forem, sem mágoas, sem afetações, sem teorias da conspiração. Afinal, por mais estranho que possa parecer, o outro vive independente de mim. E o gostar se aceita, não se comprova. E esquecer um pouco de si próprio também ajuda, e muito.

Tuesday, March 11, 2008

Nelson

Eu gostaria de deixar claro que quando escrevo, escrevo para ser igual a Nelson Rodrigues em suas crônicas, ou confissões. O que eu quero já está feito, quando o leio digo pronto, ai está. Eu estava até outro dia cabisbaixa por falta de interlocutor para dialogar já que falo uma língua já em desuso, e por isso não me ouvem, não porque sejam maus nem ignorantes, na maioria das vezes desconfio ignorar tão mais, mas o fato é que não me dão bola. O caso é que existem interesses mais populares. O que me interessa é sempre de muito pouca relevância. Mas então leio Nelson e me vem o alívio, a quentura da companhia. E como eu ia dizendo, escrevo para copiá-lo e como não sou capaz, o que temos é isto. Mas não me engano, não é apenas o estilo que nos afasta não, sou tão mais dura, há muito o que não se digere em mim. Seu humor é a prova de que renuncia à vitória diante dos inimigos. Não sente sede por justiça nem se consome. Suas obsessões são quase divertidas. Não conclui. E eu para deixar por dizer? É uma luta. E para conviver com duplos sentidos? Tenho mania de preto no branco e me exalto, perco a razão. Nelson nunca. Sorte a minha que Nelson tenha sempre preferido os defeitos às virtudes.