Ensaio sobre o Arrependimento
Arrepender-se é enganar a si mesmo. Você entendeu, eu vou falar mal do arrependimento, mas a crítica desta vez não seguirá nenhum dos motivos que você conhece e que provavelmente tenha escutado exaustivamente por toda a vida, portanto não se vá tão prontamente, por favor me conceda a atenção por mais alguns parágrafos.
Por que alguém se arrepende?
Esmalte, por exemplo, pode ser um objeto de arrependimento.
- Droga, eu não devia ter pintado a unha de vermelho justo nessa semana que tem almoço na cada dos pais do Rogério.
Veja bem, a moça acima se toma por alguém racional o suficiente para não ceder à cor quente em função do bom convívio social. O caso é que ela não é, racional o suficiente. Outra pessoa poderia ter ido ao mesmo cabeleireiro e pintado as unhas de cor insípida. Mas esta não, a nossa personagem escolheu o vermelho, ela estava ali, numa situação real, com acesso a toda informação existente, e no momento crucial da pergunta:
- O que vai ser hoje, Dona?
Ela respondeu.
- Vermelho, por favor. Aquele ali do cantinho.
Simples assim? Simples assim! Está arrependido por ter escolhido uma profissão pelos motivos errados? Talvez você não seja tão esperto assim como imagina. Acha que casou com um homem desinteressante? Então comece a se perguntar porque foi que você demorou tanto tempo para notar este detalhe.
- Mas Elaine, todos nós, seres humanos, cometemos erros na vida.
Sim, e ainda bem, já imaginou a chatice do contrário? Nós agimos de acordo com o que somos, pensamos, sentimos, acreditamos, sabemos, as nossas ações são o melhor reflexo de nós mesmos. Daí, espera-se que a medida que o tempo passa todos os acertos, erros, e segundos a mais de vida nos modifiquem. Agora, me conta onde entra o arrependimento nesta história? Se você fez alguma coisa antes que não repetiria agora, ótimo, você mudou, parabéns, então faça diferente desta vez. Vai lá, faz melhor. Que sentido faz se arrepender? Admita, você era pior antes, felicite-se, você poderia estar pior agora. Pegue todas as discordâncias entre o seu eu-passado e o seu eu-presente e FAÇA DIFERENTE.
Não se vá ainda, eu guardei a melhor parte para o final. O caso é que ninguém quer fazer diferente. Eu, por exemplo, tenho plena consciência da inutilidade das palavras “faça diferente” e ainda assim as escrevo em letras capitais. Talvez porque gostaria de ser utilitarista e gastar meu tempo produzindo resultados, mas eu não sou. Eu sou dispersa, distraída, um pouco mimada, e gosto de fazer as coisas sem o mais absoluto motivo. Quanto mais inútil, melhor. E assim se passa com o arrependido, ele não mudou, ele não faria diferente se pudesse, porque pode, e não faz. O arrependido gosta de imaginar ser uma pessoa melhor, mais racional, mais esperta, mais caridosa, mas não o é, nem tem intenção de sê-lo. A ilusão o faz sentir-se melhor consigo mesmo. Por isso o arrependido inventa desculpas, diz ser tarde. O arrependimento é um auto-consolo.
- Se eu pudesse voltar no tempo...
Como sabemos que voltar no tempo, em 2006, não é possível, a pessoa imediatamente está livre de assumir responsabilidade pelos seus atos. Porque afinal, ela faria diferente, certo? Errado. Mas fique tranqüilo, eu não estou aqui para estragar o seu feriado, você tem toda a liberdade do mundo para arrepender-se e enganar a si mesmo, mas faça a gentileza de fazer isso bem baixinho, sim?