A ditadura dos estagiários
O lugar onde eu trabalho vive a ditadura dos estagiários. Com medo eu tento me adequar, amenizar minha voz, caprichar nas explicações, perder o tempo que for preciso para que eles se sintam bem confortáveis com a tarefa que receberem e acima de tudo, se for preciso, eu faço o trabalho deles. E não se esqueça do sorriso nos lábios. Os elogios, não se esqueça dos elogios. Desde que foi adotada aqui a extraordinária política de avaliação 360 graus, aquela em que todas as pessoas ao seu redor (não fisicamente mas hierarquicamente) podem te avaliar, os estagiários venceram. O caso é que nós temos muitos estagiários, e nos projetos trabalhamos com poucos analistas (ou coisa que o valha), menos ainda coordenadores, diretores e assim por diante. Anualmente nos avaliam aqueles que trabalharam com a gente no período, ou seja, todos os estagiários, poucos analistas e quase nenhum diretor. Detalhe, cada avaliação tem o mesmo peso, isso, vale a mesma coisa, e ainda, essa avaliação aí ajuda a definir quanta grana vai para o seu bolso. Já imaginou? Sim, somos reféns. Os estagiários aqui são tratados a pão-de-ló. O que? Me preocupar com o resultado do meu trabalho? Ou então com o coitado do cliente que paga um dinheirão para ter meus serviços. Nãh. Eu me preocupo com os estagiários. Passo horas avaliando as brincadeiras adequadas para amolecer o clima logo depois de solicitar uma tarefa. Tem que ser engraçada, caso contrário não vão gostar de mim. Não pode ser ofensiva, imagina se todos eles se virassem contra mim? É um ano inteiro de trabalho perdido. Na maioria das vezes eu evito usar os serviços dos estagiários, a não ser que seja alguma coisa bem rápida e fácil, senão eu prefiro ficar até tarde, vir no final de semana, o que custa? São marajás. Ah, quem me dera o meu estágio tivesse sido assim. Só me resta temer o futuro, o dia em que eles vão dominar o mundo.